Ação humanitária em abrigos de cães e gatos no pós-desastre no RS
Em um total de 476 municípios do Rio Grande do Sul afetados pelas chuvas e inundações iniciadas no final de abril de 2024, cerca de 18.837 animais domésticos encontram-se em 347 abrigos até o momento (https://sosenchentes.rs.gov.br/assistencia-para-animais). Canoas é o terceiro maior município do Rio Grande do Sul, a cidade com maior quantidade de vítimas do desastre e possui a maior população de animais abrigados do Estado, compreendendo 43,2% dos animais, sendo 8.141 (7.469 cães, 616 gatos e 50 espécies não identificadas), distribuídos em 71 abrigos.
Visando implementar um programa de assessoria em abrigos no pós-desastre, sob coordenação geral da professora Rita Garcia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre 15 de junho e 27 de julho de 2024, as instituições de ensino parceiras IFSULDEMINAS, UFPR, UFMG, Uniube, PUC-PR, com apoio do Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo (IMVC), Grupo de Resposta a Animais em Desastres (GRAD) e IBAMA, irão enviar 7 equipes de médicos veterinários especializados em Medicina de Abrigos (Shelter Medicine) para realizar ações voluntárias na Secretaria Especial de Bem-estar animal em Canoas (RS).
A professora Diana Cuglovici Abrão, do curso de medicina veterinária do IFSULDEMINAS, especialista na Medicina de Abrigos, foi designada pela coordenadora geral para liderar a segunda equipe de voluntários que atuaram no Abrigo da Secretaria Especial de Bem-estar animal em Canoas (RS).
Dessa forma, além da professora Diana, a professora Suellen Gonzalez Belo Clemente, acompanhadas dos aprimorandos Gustavo Gonçalves e Tereza Camargo Pezzuti do Programa de Aprimoramento Profissional em medicina veterinária do Campus Muzambinho, compuseram a segunda equipe, a qual atuou entre os dias 22 e 29 de junho de 2024. A equipe foi composta por 12 médicos veterinários e 1 bióloga. Durante este período, a equipe atuou in loco no abrigo da prefeitura, onde cerca de 600 cães, 50 gatos e 10 cavalos estão albergados há mais de 50 dias. Estes animais, recolhidos das enchentes, têm sido disponibilizados para reencontro com seus responsáveis ou adoção, entretanto, a maioria das pessoas da cidade ainda não conseguiu retornar para suas casas, o que dificulta o fluxo de saída dos animais abrigados.
Durante a missão das professoras do IFSULDEMINAS, os esforços se concentraram em controlar um surto de cinomose, doença infectocontagiosa que tem acometido os cães abrigados no local. Para isso, foram propostos e executados protocolos de internação e isolamento, vacinação, limpeza e desinfecção do ambiente, manejo alimentar e etológico dos cães. Além disso, alguns animais também foram diagnosticados com leptospirose e realizada sua eutanásia. Também foi criada uma ala para alocar os cães idosos, que necessitavam de cuidados específicos.
Para melhorar o grau de bem-estar dos cães, alterações estruturais nas baias onde os cães permanecem foram elaboradas e executadas. Para tanto, as divisórias entre as baias provisórias foram derrubadas, ampliando o espaço que era de menos de 1 m² para cerca de 2 m², o que está ainda longe do preconizado por guias em medicina de abrigos, os quais recomendam mínimo de 5 m² para cada cão de porte médio. Foi realizado, ainda, um mutirão de limpeza dos recintos, junto aos funcionários locais. Implementou-se também uma rotina de saída dos cães dos recintos, de modo que eles possam tomar sol e passear.
A equipe diariamente realizava rondas veterinárias em todas as tendas, verificando cão a cão possíveis sinais de dor ou de doenças, tendo sido constatado que cerca de 90% dos cães apresentavam diarreia. Assim, uma colheita de amostras de fezes foi realizada e enviada para análise parasitológica em laboratório local e, após isso, estabelecidos protocolos de controle de doenças parasitárias.
Em relação à identificação dos animais, os quais têm sido disponibilizados para adoção ou reencontro com seus responsáveis em um site ( https://petsrs.com.br/), a primeira equipe que esteve no local microchipou os animais e aplicou a primeira dose da vacina polivalente. À nossa equipe coube organizar os dados sobre número do microchip, número de coleira e localização dos cães em cada tenda e baia. Ainda, faltavam 70 cães mais agressivos para aplicar vacina e microchip, o que foi realizado pela professora Suellen e a aprimoranda Tereza.
As professoras Diana e Suellen ainda realizaram visitas técnicas a outros dois abrigos no município, sendo eles o “Pata Molhada” e o “Ulbra”, os quais são mantidos por voluntários, sem relação com os órgãos públicos municipais.
Para viabilizar esta ação, o Campus Muzambinho cedeu uma picape Chevrolet S10 com combustível, portaria para dirigir para as professoras, e a reitoria cedeu as diárias, as quais foram utilizadas para pagamento da hospedagem e alimentação. O IBAMA pagou diárias aos dois aprimorandos, e o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) doou os EPIs para a equipe (capacetes, lanternas, capas de chuva, colete de identificação, luvas, máscaras, álcool, entre outros).
A professora Suellen tomou a iniciativa de adotar uma cachorra do Abrigo em que atuou, no qual em homenagem ao povo guerreiro de Canoas, foi batizada com o nome de Canoas. Além da Canoas, ao longo dos dias em que a equipe esteve na missão, cerca de 50 cães e gatos foram levados por grandes ONGs para o estado de São Paulo para serem adotados.
Na opinião das professoras, “é imprescindível que o povo brasileiro não esqueça da tragédia que assolou o Rio Grande do Sul, bem como as suas causas: o impacto da ação humana nas mudanças climáticas e a falta de políticas públicas no estado. Além de disso, o povo e os animais gaúchos continuam precisando do auxílio de todos os voluntários do País, já que as pessoas, mesmo após 60 dias do ocorrido, continuam fora de suas casas e os animais seguem em abrigos improvisados, sem mínima garantia de bem-estar ou perspectiva de saírem de lá.”
Texto e fotos: Diana Cuglovici Abrao
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